História

Introdução

Todas as referências históricas sobre a antiguidade da Vila de Armação de Pêra, tem como ponto em comum, ou referencial a antiguidade da fortaleza, ou amuralhamento da costa, ao qual se referem ter acontecido por volta do ano de 1661 ou 1667, data inscrita na Pedra de Armas que encima o arco de entrada da referida fortaleza. Pelas minhas pesquisas e intuição, considero ser um erro crasso considerar essa data como ponto de referência correcto. Em seguida passo a descrever, comentar e documentar, cronologicamente, todas as referências históricas sobre o passado desta povoação, dita de Armação de Pêra, ou Santo António das Areias, ou Santo António de Pêra, ou ainda Pêra de Baixo.

 

Capítulo I

As primeiras referências ao sítio, onde hoje se encontra Armação de Pêra, datam de 14 de Julho de 1559. Na altura havia algumas casas de madeira, cobertas por colmo, utilizadas por pescadores que faziam ai a sua faina; a sua utilização não era de permanência. Por a praia ser muito exposta aos ataques dos piratas “mouros”, também durante o período de invernia, cessavam as suas actividades piscatórias.

As povoações mais próximas, com construções sólidas, --alvenaria- e torres de vigia, para que os agressores pudessem ser detectados a tempo de se poderem salvaguardar as pessoas e bens, eram: Alcantarilha, Pêra, Canelas ou Montes Canelas e Vale do Olival.

O primeiro, e fundamental registo, é uma carta dirigida a Rainha D. Catarina de Áustria, regente do reino, em que se dava conta de uma investida de piratas nesta zona. – Diz a referida carta -

O capitão Pedro da Silva, começa por dizer que estando ele em Porches-o-Velho, antiga povoação perto da costa, onde residia habitualmente no verão. De por ser esta a época do ano de maior recrudescimento da pirataria. Fora ali dado o rebate, logo as três horas da madrugada do dia 13 de Julho de 1559, de 13 galés de turcos terem aparecido naquele mar.

Por sua ordem, as mulheres e crianças de Porches-o-Velho e de outros lugares vizinhos, próximos da costa, como Pêra, Alcantarilha e Canelas, foram imediatamente evacuados para Silves, e dado o rebate não só a esta cidade, mas também às vintenas (Bymtenas), às dos besteiros do conto e às dos homens do mar.

Foi no Vale do Olival, naturalmente já perto do mar, que foram avistados pelo referido capitão e sua gente, as galés dos piratas.

Vieram também auxiliá-lo, e ficaram logo sob o seu comando, os cavaleiros das bandeiras de Alcantarilha, Pêra e Canelas, além de gente válida dos dois Porches, Porches-o-Velho e Porches-o-Novo.

As chamadas Casas ou Montes de Canelas – dos seus 20 moradores, chegaram a ser saqueadas pelos turcos, com o emprego de muita arcabuzaria, por aqueles não terem posto logo a salvo os seus haveres, embora tivessem disposto de tempo para o fazer.

O capitão Pedro da Silva calculou o número destes audaciosos assaltantes num milhar, 800 «em esquadrão» e 200 «estreuaguamtes», mas pouco afoitos, apesar de numerosos. E foi o que na ocasião valeu também aos nossos, naturalmente perturbados pelo inesperado desembarque e surpresa do ataque.

O capitão Pedro da Silva conta, a propósito, como valeu, ele próprio, acompanhado dos seus, a uma bandeira de Lagoa, a qual caminhava em direcção ao local da costa onde estavam as galés, - «Já muito desbaratada, mesmo antes da batalha.»

Referindo-se aos seus companheiros da árdua luta para repelir os piratas, o capitão Pedro Silva, menciona dois filhos e dois genros de um tal Jorge Lopes, que foi almoxarife da Rainha, e diz que todos ficaram roucos, como ele, quando nessa ocasião, mas em outra situação difícil valeram aos nossos.

Apesar de tudo, apenas sofremos, milagrosamente, a perda de dois homens; um cativo e um morto, por não serem obedientes e disciplinados.

Mas diz o capitão Pedro da Silva que, se tivesse então feito como ele havia já requerido três anos antes, isto é «dar rebates de noyte com foguos e de dia com fachos», aqueles piratas turcos ter-se-iam perdido ou ao menos vencido.

Ficamos agora a saber, pela carta quinhentista em análise, que nesse verão de 1559 o número de vizinhos de Alcantarilha era de 200, o de Pêra 30 e o de Canelas 20.

Todos estes lugares, por estarem junto à costa, corriam sempre grande risco, consequência de ficarem mais expostos aos frequentes assaltos e desembarques dos piratas. A tal ponto flagelados, que nesta carta, o capitão Pedro da Silva se faz eco do desejo de tis moradores se mudarem para outros locais ou disporem de fortificações para sua melhor defesa.

Por isso o capitão lembrava à Rainha D. Catarina a conveniência da construção, ali em Nossa Senhora de Porches, de uma torre, cuja traça a Regente lhe mandara entregar a Álvaro Pires. Essa torre, que seria de «poquo custo e muito forte», com a necessária artilharia, poderia assim valer «a muitos moradores que espalhados perto daly vyuem» e, simultaneamente, impedir «quatro ou symquo desembarcações aos Jmjguos...».

De pôr aqui em relevo o conceito do capitão Pedro da Silva, sargento-mor de Silves, que não era certamente do Algarve, acerca da psicologia e do valor dos Algarvios, embora então mal exercitados nas coisas da guerra.

Escrevia ele à Rainha D. Catarina...«.a gemte deste Reyno / {do Algarve] anjmoza me parece / mas he muito oupiniatyva e soberba / e todos querem ser capitães he muito mal eyxarçitada / nas cousas da guerra ...»

E não menos digna de ser sublinhada me parece também a opinião daquele sargento-mor de Silves, quando ao referir-se à demora do juiz de fora daquela cidade em acorrer ao rebate, e já no final da sua carta diz ainda à Regente «ho juiz não poderia vyr mais cedo que estava lomge dizem que ele deu ho samtyago / mas ser capitão não se Aprende em Coymbra...».

O capitão Pedro da Silva era naturalmente ainda jovem, com muitas qualidades militares e já com bons serviços prestados no Algarve e fora dele. E assim, na sua carta, aproveita o ensejo e pede à Rainha D. Catarina que «como moço», lhe faça alguma mercê, a fim de melhor a servir então «com mais guosto...» Mas pede à soberana que se informe dele junto dos próprios moradores do Algarve e do Bispo da diocese, cuja sede ainda era em Silves. – Transferida para Faro em 1579, sendo o bispo do Algarve D. Jerónimo Osório. 1

A transcrição desta carta, para além de retratar de forma tão peculiar, os personagens, sítios e características da época. Marca a data exacta, em que é pedido para que sejam construídos muros de defesa junto ao mar.

Mas só em 1573, na transcrição do cronista João Cascão 2

Que relata a viagem ao Alentejo e Algarve de D. Sebastião.

Planta da Fortaleza, executada por Alexandre Massai em 1617.

Os brasões das famílias Galego e Soromenho, donatários da Fortaleza de Armação de Pêra.

Diz... «4ª feira, 28 de Janeiro, partiu El-Rei de Silves às 6 horas para vila de Albufeira, que são três léguas de jornada, passou pela Alcantarilha, aldeia de 150 vizinhos, que ora se cerca de muros em toda a roda, e com baluartes em lugares convenientes, por ser perto da costa. Fora deste lugar recebeu-o o Juiz com 7 ou 8 a cavalo, com suas lanças e adargas, e uma bandeira de Ordenança, de 250 soldados. Entrou El-Rei pela principal rua da aldeia que, de uma banda a outra, estava cheia de gente, e às janelas algumas moças bem- parecidas.

O Senhor D. Duarte e o Duque de Aveiro, vieram ambos todo o caminho sem El-Rei, e andaram na Alcantarilha , vendo o novo edifício.»

No ano de 1577, numa transcrição da corografia do Reino do Algarve,de Frei João de S. José, diz: «Do lugar de Alcantarilha, a duas léguas de Silves, para sueste, está o lugar de Alcantarilha, em um outeiro. É de duzentos moradores, foi mandado cercar de muros; tem um pedaço cercado da parte do mar, corre ao longo de uma ribeira de Inverno, e tem este lugar muitas figueiras, de cujo figo se faz carregação, muitas vinhas e outras fazendas. Junto a este lugar da parte ocidente, esteve ûa povoação chamada Canelas, e ora está desabitada. Um quarto de légua deste lugar, para sudoeste, está na costa do mar a armação da Pedra da Galé, ao longo de um pequeno rio.»

No ano de 1617/1618, em plena Dinastia Filipina, o italiano Alexandre Massai, arquitecto e engenheiro militar, na sua obra Discripcão do Reino do Algarve faz um esboço da fortaleza de Alcantarilha, «a que juntamos cópia, cedida pelo Arquivo Histórico Militar».

A freguesia de Armação de Pêra é criada em 1933, sendo desanexada da de Alcantarilha, pelo Dec. 22.430, de 10 de Abril.

Na informação veiculada pela “wikipédia” 5 diz textualmente: A «Fortaleza de Armação de Pêra, foi construída em 1571 na altura com o nome de Forte de Santo António da Pedra da Galé, a sua construção deve-se essencialmente à defesa do local, como também das suas gentes, que se deslocavam de Alcantarilha, para ai se dedicarem à pesca».

Todos estes dados vêem confirmar que a edificação da fortaleza é anterior às datas até agora sustentadas. Uns defendem ter sido a família de João Galego Soromenho, de origem andaluza e residentes na freguesia de Pêra, «juntamos os brasões de armas»: um dos seus antepassados, por volta do ano 1623, teria mandado erigir a fortaleza, tendo sido nomeado seu governador no ano 1683 (data da criação da freguesia de Pêra, desanexada da freguesia de Alcantarilha).

E os outros dizem ser a data esculpida na Pedra de Armas, do pórtico de entrada, 1661/1667, o ano exacto da sua edificação.

 

Capítulo II

Só vamos encontrar mais registos históricos relativos a este povoado, por volta do ano 1720, em que é referida a construção dentro da fortaleza da Capela de Santo António, nome dado em invocação ao padroeiro do forte.

É do triste ano de 1755, e pelo relato dos trágicos efeitos do tremor de terra, seguido de um maremoto, que assolou estas paragens, bem como todo o Sul de Portugal e sobretudo Lisboa. Relata, o pároco de Alcantarilha, «em relatório depositado na Torre do Tombo».Que em Pêra de Baixo, ou da Armação, situada na praia a borda do mar a ¼ de légua da outra, Pêra de cima. O mar deixou só uma casa em pé, no dia do terramoto, avançou mais de ½ légua inundando tudo, deixando em salgado umas grandes várzeas, que ficaram reduzidas a ilha, afogando 84 pessoas, a Capela teria sido arrancada pelos alicerces.

No ano de 1841, vamos encontrar registos que se referem a Armação, Armação de Pêra, ou Pêra de Baixo, nos seguintes termos: Esta povoação está a 1.500 metros de Pêra de Cima. Tem uma das praias mais extensas e próprias para banhos.

Pesca- se aqui muito e vário peixe, principalmente sardinha, em 1820, era apenas uma pobre aldeia, composta exclusivamente de cabanas de pescadores e actualmente é uma bonita povoação com boas casas. A 1.500 metros, no sítio da Ponta da Galé, houve antigamente uma grande armação para pesca do atum. Há aqui 24 botes ou lanchas, exclusivamente destinada ao serviço da pesca. Cada um d’estes barcos é tripulado por 6 ou 7 pessoas. Quase sempre saem juntos, de madrugada, para o mar, e vão as vezes a 24 quilómetros de distância, chegam quase todos juntos. É bonito ver navegar, na sua ida e no regresso, esta esquadra em miniatura.

O peixe que pescam, é vendido em lotes (em lotas, dizem elles), e comprado pelos «revendões». Há aqui uns 50 d’estes que não têm outro modo de vida, e vão vender o peixe até à distância de, 16 a 18 quilómetros. Outros negociantes há também aqui, que no tempo da fartura, compram e salgam o peixe, para o venderem seco, no Inverno.

Os pescadores da Armação são musculosos, óptimos marinheiros, de uma coragem a toda a prova, trabalhadores e bons.

Estas qualidades são comuns a todos os marítimos algarvios. As mulheres são em geral bonitas, asseadas e presumidas.

Como todos os pescadores das nossas costas, não costumam guardar no tempo da abundância, para o da escassez; por isso de Inverno, chegam por muitas vezes a lutar contra os horrores da fome; mas têm sentimentos tão elevados, que raro é o que na máxima extremidade, estende a mão a caridade pública.

É também uma praia de banhos muito concorrida na estação própria, sendo às vezes igual à permanente, a população flutuante.

Não resisti a transcrever o texto acima, que me parece de uma beleza tão ingénua, como uma pintura naif.

No ano de 1834, as freguesias de Alcantarilha e Pêra, são retiradas do concelho de Silves, e incorporadas no de Albufeira. Voltaram a ser reintegradas em 1836, pela reforma Administrativa levada a cabo por Passos Manuel. A Freguesia de Armação de Pêra é criada em 1933, assinaram o acto de posse e assumiram a direcção da junta recém criada: João de Almeida Mira, Francisco Anastácio Pereira, Álvaro Duarte Gomes (exonerado em 30/8/933), José Guerreiro de Moura Lapa (em 30/8/1933).

Já no ano de 1923, na sequência de um decreto-lei aprovado dois anos antes, o turismo nasce oficialmente no Algarve, com a criação da Comissão de Iniciativa e Turismo de Armação de Pêra, mais tarde transformada em Junta de Turismo de Armação de Pêra., que virá a ser extinta em 1970 com a criação da Região de Turismo do Algarve (RTA).

Fotos antigas de Armação de Pêra, tiradas por volta de 1933, retratam a degradação da fortaleza e mostram a edificação de alguns chalés de bom gosto arquitectónico.

Vista da rua principal e única com piso tratado, à época.

Imagem do Casino, pouco tempo após a sua inauguração.

Na fotografia de cima, o maravilhoso chalé do Dr. Patrício, sacrificado por um “caixote” em nome do “progresso”.

Imagens do final dos anos 60. Na primeira a Av. Beira-Mar ainda não existia.

Na de baixo, é de salientar o edifício da Casa dos Pescadores, ao fundo da Fortaleza.

 

Capítulo III

Por iniciativa da Junta de Turismo nos anos 50 é construído um moderno edifício para instalar o Casino Turismo, na falésia sobranceira a praia. É cedido a preço simbólico, terrenos para a construção do Hotel Garbe, o maior e mais moderno na época. Foi neste Hotel, que no decorrer de um curso para oficiais do exercito português, que ali se alojavam e faziam de quartel-general, que em Abril de 1961, foi abortado o golpe de estado em preparação pelo General Botelho Moniz, ministro da Defesa Nacional.

Até o 25 de Abril de 1974, o crescimento urbanístico era pouco, mas com os critérios de qualidade e embelezamento; toda a avenida Beira-Mar, era ladeada por chalés de veraneantes residentes, com estética e bom gosto. A preocupação principal da Junta de Turismo, era o embelezamento da praia e seus acessos, dos balneários e vestiários de apoio aos banhistas. Mas em 1975, as câmaras municipais recuperam a autonomia administrativa que haviam perdido com a criação em 1970, da Região de Turismo do Algarve, organismo que se esvazia de competências e passa a ter uma função eminentemente promocional.

Com a desagregação da pirâmide autarquias-RTA-Governo, o turismo algarvio perde o senso e caminha para o caos. Cada câmara cresce e desenvolve-se por si. Para os municípios, desenvolvimento turístico e crescimento urbanístico parecem querer dizer a mesma coisa. Armação de Pêra, não foi só assolada por estes males, como ainda, e porque a construção civil, é a maior fonte de receitas directas para a câmara de Silves. A construção em massa e desordenada, é um flagelo que vem descaracterizando esta, que já foi uma das mais belas praias do Algarve.

 

Armação de Pêra, 27 de Dezembro de 2008

Luís Patrício Pereira Ricardo

 

 

Bibliografia

1) Alberto Iria – Da importância geo-política do Algarve na defesa marítima de Portugal nos séculos XV a XVIII.

2) Francisco de Sales Loureiro – Uma jornada ao Alentejo e Algarve

3) Duas descrições do Algarve no século XVI – Cadernos da Revista económica e social

4) Alexandre Massai- Descrição do Reino do Algarve

5) Wikipédia – sites de busca in http://armacaodepera.blogspot.pt/2009/08/pequena-monografia-de-armacao-de-pera.html