De Moçambique a Armação: Aurora recorda a vida com amor e afeto

Por entre risos, recordações e histórias que atravessam quase nove décadas, Aurora fala com a serenidade de quem muito viveu.

Aos 87 anos, é uma das presenças mais queridas do Polo de Educação ao Longo da Vida de Armação de Pêra — e a sua trajetória é também a história de um Algarve que mudou, mas que continua a pulsar nas memórias de quem o construiu.

Natural de Porches, no concelho de Lagoa, Aurora cresceu numa quinta grande e rica, que pertencia à madrinha do seu pai. Viveu em ambiente simples, marcado pelo afeto e pelo trabalho, entre os seus irmãos. No total eram quatro.

«Fui criada sempre com muito amor. Os meus pais eram pessoas muito boas. O meu pai escapou à Segunda Guerra por ser casado e sempre lutou para nos dar tudo o que podia», recorda com emoção.

Antigamente, tinha-se filhos cedo. Quando Aurora nasceu, a mãe tinha 20 anos e o pai, 22. Descobria-se ‘de surpresa’ a gravidez — era pela barriga que se percebia.

«Se fizesse uma barriga empinada, parece que era um rapaz. Era conforme o corpo da pessoa», recorda-se Aurora.


Filha mais velha, aprendeu cedo o valor da responsabilidade e da partilha.

«Naquele tempo havia respeito, união e necessidade. As pessoas ajudavam-se umas às outras», diz, com um sorriso nostálgico.

Aurora casou-se com 22 anos e acompanhou o marido, funcionário do Banco Nacional Ultramarino (a atual Caixa Geral de Depósitos), até Vale Peri, em Moçambique.

«Casámos a 16 de Outubro e ele embarcou logo a seguir. Foi tudo muito rápido. Depois fui eu, grávida, no barco Império. A viagem durou quase um mês», relembra.

Enquanto estava grávida, diziam-lhe que era um menino que ia ter.

«Nunca diziam que era menina», recorda-se, «o masculino estava sempre à frente».


Em África, viveu 13 anos. A filha nasceu lá, em plena época colonial, e foi lá também que Aurora testemunhou o 25 de Abril de 1974.

«Passei lá o 25 de Abril. Foi lindo, faço anos nesse dia. Fomos ao cinema e só mais tarde percebemos o que estava a acontecer em Portugal. Foi um dia que nunca esqueci», disse Aurora.

As recordações dessa fase misturam o encanto da descoberta com a dureza dos tempos.

«Era tudo diferente. A guerra ainda se sentia, mas as pessoas eram muito humildes e de coração bom», conta.

Antes de voltar a Portugal, passou por Inhambane, em Moçambique, uma terra antiga marcada pela estátua de Vasco da Gama — destruída durante a guerra — e pela bondade das suas gentes. Além disso, era um sítio de pessoas humildes e de coração bom.


O marido, sempre dedicado, enfrentou problemas de saúde — mas Aurora nunca perdeu a coragem.

Depois de tantas mudanças, Aurora encontrou finalmente a estabilidade que procurava

«Ele foi sempre um bom marido, muito respeitador. Eu nunca trabalhei fora, mas fazia tudo em casa. Foi uma vida de muito amor e companheirismo», revela.

Depois da independência de Moçambique, Aurora e a família regressaram a Portugal. Fixaram-se primeiro em Albufeira, onde o marido continuou a trabalhar no banco, e mais tarde em Armação de Pêra, lugar que acabaria por se tornar o seu lar.

«Quando viemos, não havia casas nenhumas. Um dia disseram-me que havia uma aqui, e fiquei. Foi das melhores decisões que tomei», revela com um sorriso.

Em Armação de Pêra, Aurora encontrou o espaço que hoje chama de segunda casa, há 25 anos: o Polo de Educação ao Longo da Vida. Chegou ao grupo através das aulas de ginástica e rapidamente passou a fazer parte da comunidade.

«Foi a coisa mais bonita que podiam ter criado. Há convívio, amizade e alegria. A gente sente-se viva, mesmo com a idade que tem», afirma, orgulhosa.

Viúva há sete anos, Aurora mantém a rotina com energia e bom humor. Vive acompanhada pela filha e fala com orgulho do neto e da bisneta, que a visitam sempre que podem.

«Tenho 87 anos e continuo a agradecer a Deus por tudo. A vida ensinou-me a ser forte. Já perdi pessoas muito queridas, mas guardo-as no coração», disse com um sorriso.

Ao recordar o passado, a voz de Aurora mistura nostalgia e serenidade.

Recorda-se, ainda, uma altura em que a mãe fazia os fatos de banho em turco.

«Eram com uma rodazinha, as cuecas iguais, com elástico nas pernas e na cintura. Era todo tapadinho, com alças».

Foi em África que vestiu o seu primeiro fato de banho.

«Considero que vivi uma vida boa, dentro do possível. Fui feliz na casa dos meus pais, no casamento, no trabalho. Tenho orgulho disso», revelou.

No Polo, é exemplo de vitalidade e inspiração. Entre as atividades, as conversas e as gargalhadas partilhadas, Aurora mostra que a idade não é obstáculo para quem guarda dentro de si a vontade de continuar a aprender — e a viver com gratidão.

 

 

 

Cátia Rodrigues