Armação de Pêra sempre acordou como terra de pescadores e hoje vemos essa profissão a ser extinta.
Luís Pina, tem 63 anos, pescador há mais de 50 anos, é um dos poucos homens do mar que ainda se dedicam à pesca tradicional, em Armação de Pêra, a exercer profissão. O seu testemunho revela um retrato pungente de uma atividade em declínio, esmagada pela modernização, pela escassez de peixe e pelo impacto ambiental das novas práticas.
«Começo às seis da manhã e só acabo às sete da tarde. É o dia todo no mar», conta o pescador, descrevendo uma rotina que já poucos seguem.
A rotina começa logo cedo no mar. Quando se chega a terra é a altura de ver o que se pescou, analisar e coser as redes, pois os golfinhos, há uns anos para cá, começaram a fazer buracos para comer o peixe que lá vai. Luís é um dos únicos que trabalha o coser da rede com a boca, pés e mãos.
Em tempos, a praia acolhia mais de 70 embarcações de pesca e 150 pescadores. Na altura, cada barco levava 4 a 5 pescadores ao mar. Hoje, restam cerca de 15 embarcações e um em cada.
Há pescadores que saem logo às três da manhã e outros à tarde. Todos com o mesmo objetivo de esperar pelo peixe.
Luís recorda-se que podia não apanhar nada durante dois ou três dias na semana, mas que o resto dos dias vinha muitos peixes.
Antigamente, usava-se a arte do “rapa”, rede de traineiras em ponto pequeno e com essa técnica ia-se ao final da tarde e só se voltava às três da manhã. Essa técnica era usada mais no verão, a partir de Março. Atualmente, já não se faz, apesar de já ter havido por volta de quatro embarcações do género.
Além desse tipo, havia a pesca de arrasto e a da arte xávega, em que diziam que houve cinco na vila.
Segundo Luís Pena, a introdução de redes de plástico e gaiolas de armadilha contribuiu para a degradação do ecossistema marinho. Antes usava-se só a rede de fio.
«Antigamente usávamos alcatruzes de barro. Nunca faltava polvo. Agora é tudo gaiola, e o plástico está a matar o mar», afirma.
O pescador critica o abandono das artes sustentáveis e critica os governos por não agirem.
O impacto da pesca industrial e das alterações ambientais também se faz sentir na abundância e na qualidade do pescado.
«Quando comecei, havia peixe com fartura. Agora, o mar está vazio. O que apanhamos mal dá para a gasolina”, diz Luís, «tinha-se sempre quase quatro caixas de peixe, mas agora não se têm apanhado nada».
O pescador refere que antes conseguia ganhar 12 contos por semana (o que equivale a 300 euros), mas agora se já ganhar 50 euros por dia, é bom.
Apesar de tudo, a tradição persiste na memória e nas mãos de homens como Luís.
«Aprendi com os antigos, a ver e a fazer. Hoje ninguém quer aprender, ninguém quer ir para o mar», recorda-se.
O envelhecimento da classe piscatória e a falta de novos pescadores ameaçam a continuidade desta herança cultural.
A situação é agravada pela concorrência de países como Marrocos, onde, segundo Luís, as restrições ambientais são mais eficazes.
«Eles não usam plástico. Por isso têm 30 vezes mais peixe que nós», afirma.
Além da degradação ambiental, Luís fala também da transformação social de Armação de Pêra. O turismo tomou o lugar da pesca como motor económico da região.
«As grutas que hoje são negócio eram, no meu tempo, um meio de sobrevivência».
O pescador recorda com nostalgia os tempos da antiga lota na praia, onde o peixe era vendido diretamente na areia.
«Espalhava-se o peixe e começava o leilão. Era outro tempo», recorda.
Tinha alguém que era o vendedor e os compradores vinham todos atrás.
«À medida que o barco ia chegando, eles sabiam quais os barcos que estavam a seguir, O barco tinha o peixe espalhado. Eles vinham e faziam uma roda. O vendedor punha-se no meio e começava-se a dizer preços de cima para baixo, de mil para baixo», conta Luís.
Depois do 25 de Abril, na época dos retornados, a lota passou para o edifício onde se identifica atualmente. Ainda havia muitos pescadores, muito peixe e 60 barcos a andar no mar. Na lota, o que era pescado, era pesado, afixava-se o nome do barco, vendido e no final da semana ia-se receber o dinheiro.
Ser pescador, para Luís, é um trabalho livre, apesar de estar na praia durante muitas horas, não se vê em mais nenhuma profissão. De vez quando tem pessoas que lhe vêm falar e ainda se recorda de quando ia com os seus colegas jogar “à bola” quando tinham tempo livre.
Além da pesca abundante, lembra-se de uma Armação de Pêra diferente. Cheia de vivendas, de turismo sueco, dois estaleiros, do Chalé que foi destruído, os primeiros dois cafés, adegas e tabernas, e os três locais onde já existiu um casino. Considerava a melhor e mais bonita terra do Algarve. Lembra-se, ainda, dos barcos de madeira e o aparecimento dos de fibra, há cerca de 25 anos.
Hoje, entre as redes gastas e o mar cada vez mais vazio, resta-lhe o consolo de ainda levar para casa o “peixinho fresco” e o pedido da construção de um porto de recreio para que possa haver mais condições para saírem em tempo de "vendaval" e para que mais jovens possam exercer a profissão. Mas o tom de resignação é claro: «Já não vale o esforço. Não paga o trabalho que dá».
O testemunho de Luís Pina é mais do que uma história de vida: é o espelho de uma atividade em risco de desaparecer, engolida pelas marés do progresso e do esquecimento.