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Após 8 anos de "Armação de Pêra" Maria Augusta tem pronto outro livro

Maria Augusta Fernandes Panarra Inácio, mais conhecida como Augusta Panarra Inácio, nasceu a 5 de março de 1952 em Vila Boa do Mondego, Concelho de Celorico da Beira, Distrito da Guarda. 

Naquele tempo, foi a primeira menina a prosseguir estudos no Liceu Nacional da Guarda, o que obrigou o seu pai a emigrar para França para conseguir suportar os seus estudos. Em 1971 Maria Augusta terminou o curso do Magistério Primário da Guarda.  

Em julho de 1978, decidiu mudar-se para Armação de Pêra para acompanhar o marido no Projeto de Construções Turísticas, do qual, nesse mesmo ano, surgiu o Parque de Campismo de Armação de Pêra. 

Nessa altura, a aldeia, «era pequena e a praia era grande». A população vivia, essencialmente, da pesca e do turismo. Quando a época balnear terminou, foi a oportunidade de Maria Augusta se integrar na comunidade local, tendo, para isso, beneficiado do seu trabalho docente que exerceu, em Armação de Pêra, durante 26 anos. Anos depois, concluiu o Curso de Estudos Especializados em Educação Especial: Problemas Intelectuais, Motores, de Dificuldades Múltiplas, na Escola Superior de Educação Jean Piaget, em Almada.  

Continua a residir em Armação de Pêra, da qual se considera filha adoptiva.  

Com a vivência e o envelhecer na terra que escolheu, Maria Augusta, na entrevista, recorda-se de uma estrofe que a caracteriza. 

«Nesta Camponesa disfarçada 

Que ainda se preocupa com as queimas da geada 

Veio ao de cima uma algarvia marafada». 

Para a professora, o gosto pela escrita veio do gosto pela leitura e foi desde a sua juventude que começou a escrever. Referiu que ainda guarda com carinho tudo o que escreveu, os seus primeiros poemas e os primeiros textos em prosa, quando ainda tinha 15 anos. Quando os lê, chega a comover-se com a sua espontaneidade e a sua simplicidade. Esses textos são lidos quando a professora não sabe por onde começar ou precisa de alguma inspiração. 

Chegou também a escrever, em prosa e em verso, para os seus alunos, no âmbito do ensino da Língua Portuguesa.  

A altura em que sentiu necessidade de escrever “a sério” foi quando se aposentou, em 2004, e teve a certeza que conseguia expressar, por escrito, aquilo que tinha para dizer e que as pessoas pudessem gostar de ler. 

Desta necessidade nasceu o seu primeiro livro, em 2013, intitulado “Lábios Pintados de Amoras Silvestres- Vila Boa do Mondego-Celorico da Beira”, publicado pelas Edições Colibri. Este livro retrata as memórias coletivas de infância de Maria Augusta, como foi viver na aldeia com condições difíceis e a professora tentou recuperar o património natural e cultural da sua comunidade de origem, pois havia pessoas que viviam numa pobreza extrema, apesar de a maioria da população ser pobre nessa época.  

Foi na sua aldeia que fez a primeira apresentação do deste livro, embora tenha feito noutras localidades, tal como Armação de Pêra. 

O livro foi bem aceite, recebeu críticas muito positivas, a população da aldeia chegara a ler, recebeu muitos incentivos para continuar. Maria Augusta sentiu-se compensada com o trabalho que tinha feito, tendo o livro chegado, através de conterrâneos emigrantes, a alguns países estrangeiros. 

Depois da apresentação deste livro na vila armacenense, houve muitas pessoas a quererem conhecer o livro e a incentivarem Maria Augusta a escrever um livro sobre Armação de Pêra, como já tinha feito sobre a sua aldeia. 

Após este livro, sentia a necessidade de escrever outro. E o dever de escrever algo sobre Armação de Pêra, como gratidão pela forma como foi recebida pela população armacenense. Daqui surgiu a ideia, com o grande incentivo de Ricardo Pinto, Presidente da Junta de Freguesia de Armação de Pêra, de escrever sobre a própria vila onde residia. 

«Era preciso conhecer a identidade deste povo e contribuir para preservar a sua cultura, hábitos, costumes, saberes, sítios e lugares…», palavras de Ricardo Pinto na Nota Prévia do livro.  

Com o incentivo da população e do próprio Presidente da Junta, Maria Augusta começou a pensar, a esquematizar e a escrever o seu próximo livro. Escrita essa que demorou quatro anos a ser feita. 

Teve o seu vazio de ideias, teve a sua pausa antes de começar a escrever o livro sobre Armação de Pêra. Uma pausa que é fundamental para recolher novas ideias. 

Foi em 2017 que o livro “Em Armação de Pêra- Com os olhos cheios de Mar”, publicado pelas Edições Colibri, saiu para o público, patrocinado totalmente pela Junta de Freguesia de Armação de Pêra. 

O título deve-se ao mar porque é uma constante em Armação de Pêra, e é através do olhar que se consegue uma forma muito profunda de expressar aquilo que vemos e aquilo que amamos e no livro revela algo mais do que aquilo que um olhar distraído pode revelar. O título foi uma junção de tudo aquilo que a professora viveu, sofreu e descreveu. 

Este livro foi feito através do recolher de dados com a população, o contar de histórias, de muita pesquisa (que já não havia muitas informações para escrever um livro) na internet e nas Bibliotecas Municipais de Silves e Lagoa, da procura de pessoas idóneas, naturais da terra e do apoio pontual e crescente entusiasmo de Ricardo Pinto. Precisava de falar «sobre a indissolubilidade cultural advinda do passado, falar da terra, do mar, do trabalho, das carências económicas dos anos 30 aos anos 60, do lazer, da religiosidade, dos perigos do mar e da terra, dos sentimentos e do amor», refere a professora. 

Foi através do amor que conseguiu encontrar a alma do livro, que tanto procurava, para além das informações e das entrevistas às pessoas da terra, de mais idade, falar de outros costumes e tradições. 

Tentou selecionar o mais importante através das entrevistas, tirou fotografias, reproduziu as mais antigas e escreveu, no meio disto tudo, um romance. 

Quando foi o momento de apresentar o livro, o Salão do “Clube de Futebol Os Armacenenses”, estava «a abarrotar de gente» e Maria Augusta recebeu muitas felicitações e o carinho da população. Foi deveras uma missão cumprida e um orgulho enorme por parte da professora. Chegou a ir ter com algumas das 29 pessoas entrevistadas para lhes ler algumas citações que tinham dito e viu no olhar desses armacenenses uma alegria e um sentimento de aprovação.  

Recorda-se que era sempre seu hábito levar uma caneta e um papel, ou mesmo um talão de compras, para apontar tudo o que houvesse e para algo mais que surgisse através das pessoas com quem já tinha falado ou até se encontrasse algum novo entrevistado. 

Maria Augusta, ao olhar para o que ouviu e se vive hoje na vila, vê algumas mudanças em Armação de Pêra, como a mudança de aldeia para vila, o aumento da área turística, o nível das pessoas que melhorou muito, e muitas coisas mais que se encontram no livro. 

Nos quatro anos em que foi escrito, tal como na escrita dos outros livros, recorda-se que muitas vezes perdeu a oportunidade de sair num dia de sol, ou estar com amigos/família, mas que preferiu escrever, fechando as cortinas e ficando no seu cantinho da escrita, em frente ao computador. Provoca uma certa solidão, mas nunca se sentiu sozinha, pois esteve acompanhada pelas personagens que inventava e a envolvência que criava. 

No meio da pandemia, aceitou o convite para participar no livro “Antologia de Contos do Algarve”, em que conta o seu conto inédito chamado “Coração”, juntamente com outros escritores que escreveram outros contos.  

Depois de escrever dois livros e de participar noutro livro, Maria Augusta, mesmo assim, não se considera uma escritora, não fez desta área sua profissão, mas deu continuidade aquilo que mais gostava de fazer- escrever- bastando isso para se sentir feliz. 

Recorda-se de um momento que a marcou durante a escrita do livro, quando uma parte muito boa para o livro de Armação de Pêra, desapareceu do computador e foi a maior aflição que passou. Foi à loja de informática e conseguiu recuperar o texto novamente. Recorda-se, também, que foi contactada por um escritor armacenense que leu o seu livro e que lhe disse «Augusta, você escreveu o livro que eu gostava de ter escrito». Esta frase deixou-lhe um grande consolo. 

Nos seus momentos de escrita revela que o tempo passou muito rápido. 

«Quando dou por mim, anoiteceu ou é quase de manhã. O tempo passou e não nos apercebemos disso», conta a professora. 

Mas sabe parar quando sente que precisa, apesar de, às vezes, estar deitada e lembra-se de alguma ideia, então vem a correr apontar para não se esquecer. Um facto importante para a escrita, pois, mais tarde, já não é possível recordar-se da ideia como a tinha. 

Deve-se isso ao facto de levar sempre a caneta e o papel. Estas ideias já aconteceram quando ia a conduzir e dizer à sua neta para apontar os seus pensamentos. Outra das dificuldades da escrita, é preciso sacrificar o tempo para os familiares, o que custa na parte afetiva. Apesar disso, os familiares compreendem o sacrifício. 

Revela, com isso, que não se arrepende do privar do tempo com a família e diz que o tempo chega para tudo o que realmente queremos. 

A sua opção de preferência de escrita é o romance, uma opção para descrever as suas experiências de vida, o seu conhecimento e a sua imaginação. 

A área da escrita é muito difícil. Precisa-se de palavras para encher a folha em branco, precisa-se de esquematizar o que se quer retratar, requer vontade, entusiasmo e determinação. Além disso, para Maria Augusta, a inspiração é aquilo que ocorre e escrevemos sem ter planeado, ao ponto de crer «que não foram escritas por nós», um “extra-esquema”. 

Quando se senta em frente ao computador, já tem que ter a ideia que a interessa verdadeiramente para vir a desenvolver, não fica à espera do surgimento de ideias, já tem que vir com as ideias. O título do livro só é definido no final, mudando-se muitas vezes ao longo do percurso da escrita. 

Nos livros pretende sempre aperfeiçoar, mas nunca o quer deixar perfeito. 

Sempre teve o apoio dos amigos e da família para escrever mais, mas, ao mesmo tempo, traz mais responsabilidade e pressão porque as pessoas estão à espera. 

Neste momento, já está escrito, há mais de um ano, mais um livro de romance à espera da “coragem” que se precisa para se publicar e revela que aborda temas polémicos e que é diferente dos outros todos. 

Por mais que apresente livros, de ter enfrentado as pessoas, de ter publicado outros livros, ainda há o “nervoso” para publicar alguma coisa nova, tem medo de não conseguir encher a sala e de não conseguir chegar ao público que esperava. Mas, mesmo assim, tem o pensamento de: «ou se dá o passo, ou não se faz», assim dá-se o querer porque o «querer tem muita força». 

«Quem se mete nestas lidas da escrita, não consegue parar mais, é até não poder mais», afirmou Maria Augusta. 

Apesar de ainda não ter publicado o próximo livro, espera ainda escrever e publicar mais, pois, quando se morre «ninguém se lembra de nós, mas se tivermos alguma obra as pessoas vão se lembrar que a pessoa existiu». A publicação, neste aspeto, tem esse mérito, é o símbolo da passagem terrena de uma pessoa. 

«A ideia que gostava que as pessoas tivessem de mim é que fui capaz de deixar um rasgo de alegria nas pessoas com quem convivi. Acho que é o suficiente», diz a professora. 

A professora gostava, ainda, de voltar ao primeiro livro, para fechar um ciclo, de escrever um romance onde pudesse incluir as suas memórias de infância, pois no primeiro livro eram as memórias tudo em conjunto, neste era mesmo sobre a Maria Augusta. 

No geral, vê nos livros que publicou um sentimento de realização pessoal, fez algo que se a realizou pessoal e profissionalmente. 

Por fim, Maria Augusta deixa a mensagem para quem quer seguir o percurso da escrita: 

«Cada pessoa saberá encontrar o rumo a seguir, escolher o seu próprio estilo, selecionar assuntos do seu interesse e ter a preocupação de, na medida do possível, satisfazer o seu propósito literário», afirma Maria Augusta. 

Valerá a pena escrever? Como diz Fernando Pessoa, tudo vale a pena se a alma não é não é pequena.